A Sala Sem Eco
A descida não foi longa —
mas cada passo parecia abrir uma camada na consciência.
A lanterna tremia nas mãos de Duarte,
mas a luz trémula que o guiava vinha de dentro da própria gruta.
Como se algo na pedra tivesse memória da luz.
O corredor estreito alargou subitamente, sem transição.
E ele entrou numa sala que não devia existir ali —
escavada por mãos que não conheciam ferramentas,
nem pressa,
nem piedade.
O teto abobadado parecia feito de ossos fossilizados.
As paredes, cobertas por inscrições incompletas, feitas com unhas,
ou com dentes.
E no centro…
uma mesa de pedra.
Não um altar.
Não um pedestal.
Uma mesa, como se ali se reunissem para falar… ou para dividir.
Em cima, pousada com precisão,
uma pequena peça de barro.
Oval.
Quebrada ao meio.
Duarte aproximou-se.
E ao tocar-lhe, o ar mudou.
O som do seu próprio respirar deixou de ecoar.
Como se ali, dentro daquela sala, o tempo recusasse devolver som.
Não havia vento.
Não havia pingos.
Não havia eco.
Só a presença.
E então ele percebeu —
não estava sozinho.
⸻
Do lado oposto da mesa,
algo começou a formar-se.
Não apareceu.
Não surgiu.
Desdobrou-se.
Como se estivesse sempre ali —
mas agora, quisesse ser visto.
Uma figura alta.
Sem rosto,
sem olhos,
sem nome.
Apenas presença.
Feminina e ao mesmo tempo ausente de género.
Como se o corpo fosse apenas um molde para conter a vontade.
E quando “ela” falou,
não foi com voz.
Foi com memória.
“Tu levas o nome.
Mas não a dívida.”
“Tu abres a porta.
Mas não foste chamado.”
“O ciclo pode ser quebrado.
Mas o custo… é o eco.”
Duarte tentou recuar.
Mas não havia saída.
A entrada desaparecera.
A luz da lanterna apagou-se.
Ficaram apenas os dois.
A sala.
A peça de barro quebrada.
E a escolha.