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Ash Hollow

O Nome Antes do Nome

29
Mai25

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A noite caiu antes que Duarte deixasse o sopé da gruta.

O frio da serra era diferente — não cortava, mas envolvia. Um silêncio húmido, feito de coisas que observam.

Ele sentia o peso da respiração vinda do interior da fenda, mesmo ao afastar-se.

Não como um eco — mas como um fio invisível que agora o ligava àquela abertura na terra. Uma ligação selada pela simples presença.

 

Desceu o trilho com passos cuidadosos, guiado apenas pela lanterna e pelo instinto.

A vila mais próxima era pouco mais do que um aglomerado de casas abandonadas e ruínas de pedra.

Mas uma estrutura permanecia — pequena, esquecida, quase engolida pela vegetação: a Casa dos Registos Paroquiais, erguida no século XVIII e fechada há décadas.

 

Duarte forçou a entrada com um empurrão lento.

A madeira cedeu com um estalo abafado, como um osso velho a partir.

Lá dentro, o cheiro era de humidade e papel morto.

 

Deslizou entre estantes tombadas, livros rasgados, pastas esfareladas por ratos e tempo.

Mas encontrou, ao fundo, o armário de ferro.

Trancado.

 

Estava prestes a desistir quando viu, junto ao chão, uma abertura onde outrora estaria uma ranhura de ventilação.

Introduziu a mão com esforço, sentindo farpas, teias e ferrugem.

Tocou em algo frio.

Retirou um envelope enrolado e lacrado com cera antiga, onde ainda se distinguia um selo quebrado com o símbolo oval — o mesmo da gruta.

 

Dentro, um único papel.

Amarelado.

Rasgando-se ao toque.

Mas ainda legível.

 

“Antes dela, houve outra.

Não mulher, não homem.

Mas algo que se fez carne para escapar à ruína.

 

Chamaram-lhe Aquela Que Se Recorda,

porque a terra esquece — mas ela, não.

 

O nome perdeu-se nos sismos e no sangue,

mas ecoa em certos cânticos dos mais velhos.

 

Alzima.

 

Era o nome antes do nome.

A raiz de tudo.”

 

Duarte dobrou o papel com mãos trémulas.

Alzima.

O som não era apenas estranho — era errado.

Como um nome que não devia ser dito, mas reconhecido.

 

Sentiu o chão estremecer, por dentro.

Não um tremor da terra, mas da pele.

Como se ao pensar o nome, algo nele tivesse sido visto.

 

Saiu da casa sem fechar a porta atrás de si.

Não importava.

Aquilo que estava acordado… já o conhecia.

 

E ao longe, muito longe, vindo da direção da gruta — ouviu, pela primeira vez, um sussurro.

 

Não era Madalena.

Era mais fundo.

Mais seco.

Mais antigo.

 

E dizia apenas:

 

“Chega, Duarte.

Lembra-te de mim.”